terça-feira, 9 de dezembro de 2014


                                   
''E já não eram sós, ambos somavam entre si, não importava mais quem era a primeira ou a segunda pessoa, por que eles eram um só... E todos questionavam-se sobre quem seria o sujeito e quem seria o predicado.
Quem se conjugaria no pretérito e quem renunciaria... Ou seria, a forma "mais que perfeita"!
Conjugavam-se de maneira irregular explicitando suas diferenças, reconhecendo os fragmentos e os complementos.
Buscavam a medida certa.
E assim... reconheceram-se juntos, sem necessidade de mais nada para se completar, por que juntos... Eles transbordavam!''
O Teatro Mágico
Retrovisor nos mostra o que ficou
O que partiu, o que agora só ficou no pensamento
Retrovisor é mesmice em trânsito lento
Retrovisor mostra meus olhos com lembranças mal resolvidas
Mostra as ruas que escolhi
Calçadas e avenidas
Deixa explícito que se for pra frente
Coisas ficarão pra trás
A gente só nunca sabe que coisas são essas.
O Teatro Mágico
Quanta mudança alcança o nosso ser. Posso ser assim, daqui a pouco não. Posso ser assim daqui a pouco? Se agregar não é segregar. Se agora for, foi-se a hora. Dispensar não é não pensar. Se saciou, foi-se embora. Quanta mudança, daqui a pouco... Se lembrar não é celebrar. Dura-lhe a dor, quando aflora. Esquecer não é perdoar. Se consagrou, sangra agora. Tempo de dar colo, tempo de decolar. O que há é o que é e o que será, nascerá. Nasss... será? Reciclar a palavra, o telhado e o porão. Reinventar tantas outras notas musicais. Escrever um pretexto, um prefácio, um refrão. Ser essência, muito mais. Ser essência muito mais. A porta aberta, o porto, a casa, o caos, o cais. Se lembrar de celebrar muito mais. A poesia prevalece, a essência, a paz, a ciência. Não acomodar com o que incomoda. Vou, vou engarrafar essa dor, vou engarrafar a saudade, vou me embriagar de tristeza. Bendizendo ela vira beleza. Gentileza gera gentileza.
O Teatro Mágico
De Ontem Em Diante 

De ontem em diante serei o que sou no instante agora
Onde ontem, hoje e amanhã são a mesma coisa
Sem a ideia ilusória de que o dia, a noite e a madrugada
são coisas distintas
Separadas pelo canto de um galo velho
Eu apóstolo contigo que não sabes do evangelho
Do versículo e da profecia
Quem surgiu primeiro? o antes, o outrora, a noite ou o dia?
Minha vida inteira é meu dia inteiro
Meus dilúvios imaginários ainda faço no chuveiro!
Minha mochila de lanches?
É minha marmita requentada em banho Maria!
Minha mamadeira de leite em pó
É cerveja gelada na padaria
Meu banho no tanque?
É lavar carro com mangueira
E se antes, bem antes, um pedaço de maçã
Hoje quero a fruta inteira
E da fruta tiro a polpa... da puta tiro a roupa
Da luta não me retiro
Me atiro do alto e que me atirem no peito
Da luta não me retiro...
Todo dia de manhã é nostalgia das besteiras, das besteiras e das besteiras que fizemos ontem
O Teatro Mágico

quinta-feira, 20 de março de 2014

Em uma folha de papel amarelo com linhas verdes 
ele escreveu um poema 
E o intitulou "Chops" 
porque era o nome de seu cão 
E era o que estava em toda parte 
E seu professor lhe deu um A 
e uma estrela dourada 
E sua mãe o abraçou à porta da cozinha 
e leu o poema para as tias 
Era o ano em que o padre Tracy 
levava todas as crianças ao zoológico 
E ele deixou que cantassem no ônibus 
E sua irmãzinha tinha nascido 
com unhas minúsculas e nenhum cabelo 
E sua mãe e seu pai se beijavam tanto 
E a garota da esquina mandou para ele 
um cartão de Dia dos Namorados assinado com vários X 
e ele teve de perguntar ao pai o que significava X 
E seu pai deixou que ele dormisse na sua cama à noite 
E era sempre lá que ele dormia 

Em uma folha de papel com linhas azuis 
ele escreveu um poema 
E o intitulou "Outono" 
porque era o nome da estação 
E era o que estava em toda parte 
E seu professor lhe deu um A 
e o pediu para escrever com mais clareza 
E sua mãe não o abraçou à porta da cozinha 
por causa da pintura nova 
E as crianças disseram a ele 
que o padre Tracy fumava cigarros 
E largava as guimbas no banco da igreja 
E às vezes elas faziam buracos 
Que era o ano de sua irmã usar óculos 
com lentes grossas e armação preta 
E a garota da esquina riu 
quando ele pediu para ver Papai Noel 
E os garotos perguntaram por que 
a mãe e o pai se beijavam tanto 
E seu pai não o cobria mais na cama à noite 
E seu pai ficou furioso 
quando ele chorou por isso. 

Em um pedaço de papel de seu caderno 
ele escreveu um poema 
E o intitulou "Inocência: Uma Questão" 
porque a questão era sobre uma garota 
E isso estava em toda parte 
E seu professor lhe deu um A 
e um olhar muito estranho 
E sua mãe não o abraçou à porta da cozinha 
porque ele nunca o mostrou a ela 
Foi o primeiro ano depois da morte do padre Tracy 
E ele esqueceu como terminava 
o Creio em Deus Pai 
E ele pegou a irmã 
se agarrando na varanda dos fundos 
E sua mãe e seu pai nunca se beijavam 
nem mesmo conversavam 
E a garota da esquina 
usava maquiagem demais 
O que fez ele tossir quando a beijou 
mas ele a beijou mesmo assim 
porque era a coisa certa a fazer 
E às três da manhã ele se aninhou na cama 
seu pai roncava alto 

É por isso que no verso de uma folha de papel pardo 
ele tentou outro poema 
E o intitulou "Absolutamente Nada" 
Porque era o que estava em toda parte 
E ele se deu um A 
e um corte em cada maldito pulso 
E se encostou na porta do banheiro 
porque nessa hora ele não pensou 
que poderia alcançar a cozinha.

(As Vantagens de ser Invisível)


Das coisas
que fiz a metro
todos saberão
quantos quilômetros
são
Aqueles em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos não?    
Paulo Leminski


A vida não imita a arte. Imita um programa ruim de televisão.      
Paulo Leminski